Estamos em abril, e uma carta, procurando retomar contacto, é enviada. Horas depois, a resposta em nada semelhante ao primeiro escrito chega.
O ontem já não nos pertence.
Cartas para ontem é um projeto que procura desenvolver a questão do silêncio e da ausência inerentes ao diálogo-monólogo. Por isso mesmo, confrontamo-nos com duas cartas escritas-gravadas a branco cuja leitura se proporciona pela luz proveniente das caixas onde estas se encontram. Na dinâmica do envio-receção, das cartas que vão e das cartas que vêm, cada uma está virada para o seu respetivo destinatário. Por isso mesmo, a primeira carta encontra-se do avesso.
É um diálogo não correspondido, um não-diálogo, uma não-comunicação, onde o remetente procura chegar a alguém que (já) não está do outro lado. São cartas feridas seja pelo cravar cada caractere, de cada palavra no papel, seja pelo desfasamento entre o conteúdo e o tipo de escrita. A primeira carta, ainda que inacessível, dirige-se a um tu num registo pessoalizado, curto e concreto. Contrariamente, a segunda constrói-se num registo distanciado, protegido, extenso e, quiçá, moralizador que, em nada, responde ao primeiro pedido.
São, também, registos que falam de um tempo que foi - e que, mais ou menos sarado, procurou ser ultrapassado. São cartas impossíveis, não faladas em voz alta, carregadas de branco e de silêncio. Unidas pelo confuso do ontem, perdem-se num emaranhado de fios cheios de nada.